7.6.07

Ficção III

FanFan e Clotilde

*

Clotilde morreu como todos deveríamos morrer. Empoleirada sobre o rebordo do terraço, enquanto declamava passagens da "Desobediência Civil", de Thoreau, inclinou-se lentamente para trás, até que perdeu o equilíbrio e se precipitou velozmente sobre o Mondego. Todos aplaudimos o seu sentido estético.
FanFan, a dona do terraço e amiga intima da pobre suicida, contou-me, alguns meses depois, que Clotilde há muito vinha planeando o maravilhoso acto.

I

Amo Clotilde. Amo apaixonadamente Clotilde.

II

Só a redenção pode mitigar a psicastenia. Não há redenção para mim, apenas relativismo pragmático. Para Clotilde, a redenção veio sob a forma de um parapeito. E de um rio. E de Thoreau. Para Clotilde a redenção foi aquele abominável, e moralmente reprovável, suicídio. No auge dos seus vinte anos Clotilde matou-se. Perguntei a FanFan porquê. Não sei, disse. Acredito.
No entanto, eu sei.
Eu sei.

(continua, sabe-se lá quando)